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terça-feira, 22 de maio de 2012

Nove Noites: um labirinto de vozes!




Cássio José dos Santos Sousa
Graduando em Letras pela Universidade Federal do Ceará
Instituto UFC Virtual

Resumo: Pegando como pressuposto o livro Nove Noites, de Bernardo Carvalho, publicado em 2002 e já alcançado consagração; e, as concepções da pós-modernidade, como pano de fundo para nossa análise, este ensaio busca traçar uma linha de estudo sobre a polifonia, conceito definido e teorizado por Mikhail Bakhtin. Carvalho trabalha com a multiplicidade de vozes na construção de seu enredo, de maneira que se adentre na encruzilhada da estética defendida como pós-moderna e/ou contemporânea. Quantas vozes ou narradores há na obra mencionada? Realidade e ficção podem configurar-se nessa estética de maneira que haja uma combinação ou uma delas se sobressai? E o que dizer da descontinuidade no enredo? Eis aí algumas propostas que se identificam como características da pós-modernidade. Trataremos aqui, no entanto, do dialogismo polifônico bakhtiniano em Nove Noites.    

Palavras- chave: Bernardo Carvalho, Nove Noites, Polifonia, Bakhtin.

Ninguém nunca me perguntou, e por isso também nunca precisei responder. Todo mundo quer saber o que sabem os suicidas...
Ninguém nunca me perguntou, e por isso nunca precisei responder que a representação do inferno, tal como a imagino, também fica, ou ficava, no Xingu da minha infância... 
Eu só queria sair dali. O que estávamos fazendo no meio do inferno, por um trabalho inglório, que seria engolido em poucos anos? 
(Nove Noites - Bernardo Carvalho)

 
1.      Início de Conversa.

A história Nove Noites, narrada por um romancista (narrador-escritor), gira em torno da vinda do antropólogo estudanindense Buell Quain para o Brasil, em 1938. O texto é uma espécie de relato de pesquisa das experiências que teve enquanto se dedicava à obtenção das informações biográficas acerca do antropólogo, nele estão reproduzidos trechos das fontes históricas pesquisadas, como cartas, entrevistas, fotografias.      
            No inicio do romance, o narrador conta que tomou conhecimento da história de Buell Quain por meio de um texto jornalístico escrito pela renomada antropóloga brasileira, Mariza Corrêa, que trabalhou durante muitos anos na Universidade de Campinas e publicou vários textos sobre pesquisadores estrangeiros no Brasil durante o estado novo, inclusive Buell Quain, sobre o conselho de fiscalização das expedições artísticas e científicas e, além disso, traduziu e publicou uma carta enviada a Quain pela antropóloga norte-americana Margaret Mead. Ele explica como estabeleceu os primeiros contatos com a autora do artigo, como foi conquistando sua confiança e convencendo-a de que ele deseja escrever o romance.    

2.      Características da Pós-modernidade em Nove Noites?

Carvalho, em notas de agradecimento – publicado em primeira edição em 2002, assim afirmou sobre sua obra:
“[É] um livro de ficção, embora esteja baseado em fatos, experiências e pessoas reais. É uma combinação de memória e imaginação – como todo romance, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos direta” (p. 151).
            A escriturística em Nove Noites, seu dialogismo e enredo, se enquadram nos parâmetros da concepção estética de literatura defendida como pós-modernidade e/ou contemporaneidade, estrategicamente, nos entraves da ficção e realidade.  
            A obra contemporânea recusa revelar a verdade que garante o desfecho. Ao contrário, ela parece manter a obscuridade do incomunicável, do silêncio que lhe é próprio. Percebe-se a predominância do acaso, da descontinuidade. O livro apresenta um acontecimento e peças de “um quebra-cabeça” para ser montado pelo leitor. Mas, como nem tudo o que é parece ser, os fragmentos não se encaixam, não existe resposta pacífica, ou seja, um fim, uma solução para o enigma: por que Quain se matou? [1]
            Na narrativa aqui analisada, podem-se detectar alguns elementos que caracterizam os textos pós-modernos.
Apesar de se considerada uma atitude anti pós-moderna para alguns críticos, eis algumas de suas características:
Multiplicidade de enunciadores, instabilidade e desautorização do narrador, insolubilidade, ausência de desfecho, desmaterialização da trama narrativa, indefinição entre real e ficção, variação de escala, desmesura, instabilidade e tensão enunciativa, forma ditada pela lógica interna da obra.
O que se pretende analisar aqui, embora não se pretenda esgotar o aprofundamento do assunto, é a predominância do que se chama neste ensaio científico de dialogismo polifônico, defendido e teorizado por Mikhail Bakhtin.    
 
3.      Diálogo e polifonia segundo Bakhin.

Bakhtin refuta duas orientações do pensamento filosófico-linguístico: a do objetivismo abstrato e a do subjetivismo idealista. Faz isso por considerar que essas orientações apoiam-se em um ponto de vista que tem como fio condutor a enunciação monológica – melhor dizendo, a frase – para sua reflexão. Adotando outra perspectiva, a de que a enunciação é o produto da interação entre indivíduos socialmente organizados, Bakhtin aposta no caráter essencialmente dialógico da linguagem: “Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006, p. 117).
Tomemos como ponto de partida, para a nossa linha de raciocínio, as seguintes gravuras abaixo:


Mikhail Bakhtin prevê a duplicidade em toda palavra, de toda enunciação e o plurilinguismo, fruto de relações dialógicas, que permite perceber o homem e sua cultura no complexo das relações sociais.
            Nas gravuras acima – o mecanismo semiológico nos ajuda bastante! –, há, pelo menos, uma duplicata de interpretações.
Na gravura 01, por exemplo, em que se manifesta o motivo da mulher ter medo de barata (há no cartaz apenas frases feitas e palavras soltas, muito embora, a tonicidade e tamanho das cores e palavras evoquem conceitos sócio-culturais), tem-se o aproveitamento dos termos barata e carinho para que se configure uma mensagem que pode ser entendida como crítica aos gastos supérfluos do sexo feminino, machismo à categoria feminina, chacota para com as mulheres,... O dialogismo que se verifica ou a polifonia, isto é, as várias vozes encontradas no cartaz, ganha espaço quando se consubstancia o lado afetivo (carinho) ao medo que as mulheres têm pelas frases com as frases que se apresentam letra maiúscula.
Na gravura 02, em que se tem uma campanha de respeito à vida e a prudência no trânsito para que não se consuma bebida alcoólica, usou-se a imagem de um bebê no volante e a própria palavra bebê na frase concebida pela campanha para que se tenha um ar de humor. Evidentemente é ilógico que se tenham crianças dirigindo. No entanto, pela gravura, o que se pode interpretar é que as crianças não podem pegar o volante e nem se consuma bebidas alcoólicas quando se vai dirigir.
Além disso, pode-se usar dos prerrequisitos gramaticais e semânticos para as concepções de entendimento da ordem. Substantivo e verbo estão numa encruzilhada da pragmática discursiva em que fonologia, fonética, funcionalismo e formalismo podem entrar em conflitos ou adaptações.

4.      Polifonia em Nove Noites e dialogismo em seu enredo discursivo

Para Mikhail Bakhtin (1997), Dostoievski foi o criador de um novo gênero literário, o romance polifônico, cuja característica principal é o fato de que na obra do romancista as vozes do texto não se sujeitam a um narrador centralizante; elas se relacionam em condições de igualdade. Há a predominância do discurso do outro interiormente dialogado e refletido, com a alternância de várias vozes.     
É o que acontece em Nove Noites: o romance é dividido em dois blocos: um narrado no passado por Manoel Perna e outro narrado no presente pelo jornalista-investigador. Além disso, o livro é dividido em 19 capítulos, sendo que nove deles são apresentados em itálico.
Temos dessa forma uma narração que vem marcada em itálico e uma narração de alguém que pesquisa o pretenso suicídio de Quain e tenta encontrar uma resposta para a morte do cientista.
Há duas vozes principais, estruturadoras do romance e as “sub-vozes”, que auxiliam na construção “labiríntica” da narrativa, caracterizando a obra como um romance polifônico.   
Os dois narradores presentes no livro abordam, em diversos momentos, a questão da morte como única certeza da vida. O narrador abre o livro, caracterizado como o engenheiro Manuel Perna, amigo e “confessor” de Quain, logo no início aponta para a certeza de que “morremos todos” (CARVALHO, 2002, p. 8) e fala que o antropólogo chamava Carolina de uma cidade morta, idéia que aparece em várias partes da narrativa, bem como a noção de que os locais – e a vida neles – eram um inferno.
            Permeia-se assim um verdadeiro labirinto em que o leitor vai se perdendo ao longo da narração.  Além disso, existem referências a pessoas reais, mas mesmo em partes em que elas aparecem podem ter sido inventadas. Em última instância, é tudo ficção.
   
5.      Considerações finais:

Uma obra literária dentro das perspectivas da pós-modernidade que trabalha com traços polifônicos em sua linguagem e enredo, nos permite perceber que as várias vozes, sejam principais e secundárias, fazem com que não haja um ponto final em um romance. Tem-se então uma descontinuidade e não-acabamento.
Não se chega à conclusão do motivo da morte de Quain por se ter muitas opiniões narrativas, as várias vozes da narração, ou se dá espaço para que o leitor participe do enredo discursivo? Há a impressão de que o autor e as personagens falam a mesma linguagem. E isso, sem se esquecer na participação interativa do leitor-narrador (por que não?).
Embora que não se chegue ao consenso de qual voz predomina no discurso de Nove Noites, há espaço para que o leitor, a partir das informações contidas nessa obra literária, tire suas próprias conclusões a respeito do motivo do cientista Quain ter se suicidado.  
                  




6.      Referências:
                   
CARVALHO, Bernardo. Nove Noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

MACHADO, Rodrigo; PAULA, Rosana; SOUZA, Simone. Nove Noites: Um labirinto de vozes: Revista de artes e humanidades, n. 6, Mai-Out 2011.

OLIVEIRA, Adilson. Dialogando Com Bakhtin na Leitura de Nove Noites de Bernardo Carvalho. RevLet – Revista Virtual de Letras, v. 03, nº 02, ago/dez, 2011 ISSN: 2176-9125

SANTOS, Maria. Romances contemporâneos: Nove Noites, de Bernardo Carvalho, e Exortação aos Crocodilos, de António Lobo Antunes: Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS – ISSN 2177-6350.

Http://www.solar.virtual.ufc.br/  Literatura Brasileira IV.  REFLEXÕES SOBRE O PÓS-MODERNISMO,  2011. Último acesso em 06.12.2011.



[1]  Do ensaio Morte e Narração em Nove Noites, de Bernardo Carvalho (Janaína Dias Barcelos). Disponível em: www.metodistademinas.edu.br/tecer/TEXTOS_TECERO/JANAÍNA_MORTE.html. As próprias personagens da narrativa, o enredo em si, os narradores, aliado a essa conjuntura de mistura realidade e ficção fazem com que não se encontre uma resposta. Na narrativa, o que predomina é o silêncio e o desconhecido (“pois o segredo sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como se eu e você, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério para acabar morrendo de curiosidade”, CARVALHO, 2002, p.7). 

Um comentário:

  1. Olá, Cássio!
    Sou professor da UFCVirtual e tenho algumas observações a fazer sobre sua publicação. Embora você traga, nas referências bibliográficas, suas fontes de pesquisa, você esqueceu de citar corretamente os autores. Seu texto possui um mosaico de citações de outros estudos que, se não for feito corretamente, dá a entender que as palavras usadas são suas, o que não é completamente verdadeiro.
    Sugiro que edite seu texto, indicando através de aspas duplas e/ou citações recuadas os trechos que não são seus.
    Vi que você é aluno da UFCVirtual e foi através da correção do portfólio dos meus alunos que cheguei à sua página. Há muito plágio na modalidade a distância, e, muitas vezes, não por desonestidade intelectual, mas despreparo metodológico, que pode ser atenuado com a consulta das regras da ABNT para citações em trabalhos acadêmicos. Na página da UFC, há um guia de normalização de trabalhos acadêmicos segundo a ABNT. Dê uma olhada lá.
    Abraços.
    Fúlvio

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