Carlos Drummond
de Andrade
Por que motivo
as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo?
Será a poesia um
estado de infância relacionada com a necessidade de jogo, a ausência de
conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos de viver –
estado de pureza da mente, em suma?
Acho que é um
pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na meninice, pode
expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência, o senso crítico, a
consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia.
Mas, se o
adulto, na maioria dos casos, perde essa
comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra
instituição social, o elemento corrosivo do instinto poético da infância, que vai fenecendo, à proporção que o
estudo Sistemático se desenvolve, ate desaparecer no homem feito e preparado
supostamente para a vida?
Receio que sim. A escola enche o
menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo
através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não
repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente
o conhecimento e o mundo.
Sei que se
consome poesia nas salas de aula, que se decoram versos e se estimulam pequenas
declamadoras, mas será isso cultivar o núcleo poético da pessoa humana?
Oh, afastem, por
favor, a suspeita de que estou acalentando a intenção criminosa de formar
milhões de poetinhas nos bancos da escola maternal e do curso primário. Não
pretendo nada disto, e acho mesmo que o uso da escrita poética na idade adulta
costuma degenerar em abuso que nada tem a ver com a poesia. Fazem-se demasiados
versos vazios daquela centelha que distingue uma linha de poesia, de uma linha
de prosa, ambas preenchidas com palavras da mesma língua, da mesma época, do
mesmo grupo cultural, mas tão diferentes. Se há inflação de poetas
significantes, faltam amadores de poesia – e amar a poesia é forma de
praticá-la, recriando-a.
O que eu pediria
à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como
primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de informação prática
e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e
criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.
Não seria talvez
despropositado cuidar de uma extensão poética das escolinhas de arte, esta ideia
maravilhosa que Augusto Rodrigues tirou de sua formação humana de artista para
a realidade brasileira. Longe de ser uma fábrica alarmante de versejadores
infantis, essa extensão, curso ou atividade autônoma, ou que nome lhe coubesse,
daria à criança condições de expressar sua maneira de ver e curtir a relação
poética entre o ser e as coisas. Projeto de educação para a poesia (fala-se
hoje em educação artística no ensino médio, quando o mais razoável seria dizer
educação pela arte). A vocação poética teria aí uma largada franca, as
experiências criativas gozariam de clima favorável sem que tal importasse na
obrigação de alcançar resultados concretos mensuráveis em nível escolar. Sei de
casos em que um engenheiro, por exemplo, aos 30, 40 anos, descobre a existência
da poesia… Não poderia tê-la descoberto mais cedo, encontrando-a em si mesmo,
quando ela se manifestava em brinquedos, improvisações aparentemente absurdas,
rabiscos, achados verbais, exclamações, gestos gratuitos?
Alguma coisa que
se bolasse nesse sentido, no campo da Educação, valeria como corretivo prévio
da aridez com que se costuma transcrever os destinos profissionais, murados na
especialização, na ignorância do prazer estético, na tristeza de encarar a vida
como dever pontilhado de tédio. E a arte, como a educação e tudo o mais, que
fim mais alto pode ter em mira senão este, de contribuir para a educação do ser
humano à vida, o que, numa palavra, se chama felicidade?
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