Cássio
José dos Santos Sousa
Graduando
em Letras pela Universidade Federal do Ceará
Instituto
UFC Virtual
Resumo:
Pegando
como pressuposto o livro Nove Noites, de Bernardo Carvalho, publicado em 2002 e
já alcançado consagração; e, as concepções da pós-modernidade, como pano de
fundo para nossa análise, este ensaio busca traçar uma linha de estudo sobre a
polifonia, conceito definido e teorizado por Mikhail Bakhtin. Carvalho trabalha
com a multiplicidade de vozes na construção de seu enredo, de maneira que se
adentre na encruzilhada da estética defendida como pós-moderna e/ou contemporânea.
Quantas vozes ou narradores há na obra mencionada? Realidade e ficção podem
configurar-se nessa estética de maneira que haja uma combinação ou uma delas se
sobressai? E o que dizer da descontinuidade no enredo? Eis aí algumas propostas
que se identificam como características da pós-modernidade. Trataremos aqui, no
entanto, do dialogismo polifônico bakhtiniano em Nove Noites.
Palavras-
chave: Bernardo Carvalho, Nove Noites, Polifonia, Bakhtin.
Ninguém nunca me
perguntou, e por isso também nunca precisei responder. Todo mundo quer saber o
que sabem os suicidas...
Ninguém nunca me
perguntou, e por isso nunca precisei responder que a representação do inferno,
tal como a imagino, também fica, ou ficava, no Xingu da minha infância...
Eu só queria sair dali.
O que estávamos fazendo no meio do inferno, por um trabalho inglório, que seria
engolido em poucos anos?
(Nove Noites -
Bernardo Carvalho)
1. Início de Conversa.
A
história Nove Noites, narrada por um
romancista (narrador-escritor), gira em torno da vinda do antropólogo
estudanindense Buell Quain para o Brasil, em 1938. O texto é uma espécie de
relato de pesquisa das experiências que teve enquanto se dedicava à obtenção
das informações biográficas acerca do antropólogo, nele estão reproduzidos
trechos das fontes históricas pesquisadas, como cartas, entrevistas,
fotografias.
No
inicio do romance, o narrador conta que tomou conhecimento da história de Buell
Quain por meio de um texto jornalístico escrito pela renomada antropóloga
brasileira, Mariza Corrêa, que trabalhou durante muitos anos na Universidade de
Campinas e publicou vários textos sobre pesquisadores estrangeiros no Brasil
durante o estado novo, inclusive Buell Quain, sobre o conselho de fiscalização
das expedições artísticas e científicas e, além disso, traduziu e publicou uma
carta enviada a Quain pela antropóloga norte-americana Margaret Mead. Ele
explica como estabeleceu os primeiros contatos com a autora do artigo, como foi
conquistando sua confiança e convencendo-a de que ele deseja escrever o
romance.
2. Características da Pós-modernidade
em Nove Noites?
Carvalho,
em notas de agradecimento – publicado em primeira edição em 2002, assim afirmou
sobre sua obra:
“[É]
um livro de ficção, embora esteja baseado em fatos, experiências e pessoas
reais. É uma combinação de memória e imaginação – como todo romance, em maior
ou menor grau, de forma mais ou menos direta” (p. 151).
A escriturística em Nove Noites, seu dialogismo e enredo,
se enquadram nos parâmetros da concepção estética de literatura defendida como
pós-modernidade e/ou contemporaneidade, estrategicamente, nos entraves da
ficção e realidade.
A obra contemporânea recusa revelar a verdade que garante
o desfecho. Ao contrário, ela parece manter a obscuridade do incomunicável, do
silêncio que lhe é próprio. Percebe-se a predominância do acaso, da
descontinuidade. O livro apresenta um acontecimento e peças de “um
quebra-cabeça” para ser montado pelo leitor. Mas, como nem tudo o que é parece
ser, os fragmentos não se encaixam, não existe resposta pacífica, ou seja, um
fim, uma solução para o enigma: por que Quain se matou? [1]
Na narrativa aqui analisada, podem-se detectar alguns
elementos que caracterizam os textos pós-modernos.
Apesar
de se considerada uma atitude anti pós-moderna para alguns críticos, eis
algumas de suas características:
Multiplicidade
de enunciadores, instabilidade e desautorização do narrador, insolubilidade,
ausência de desfecho, desmaterialização da trama narrativa, indefinição entre
real e ficção, variação de escala, desmesura, instabilidade e tensão
enunciativa, forma ditada pela lógica interna da obra.
O
que se pretende analisar aqui, embora não se pretenda esgotar o aprofundamento
do assunto, é a predominância do que se chama neste ensaio científico de
dialogismo polifônico, defendido e teorizado por Mikhail Bakhtin.
3. Diálogo e polifonia segundo Bakhin.
Bakhtin
refuta duas orientações do pensamento filosófico-linguístico: a do objetivismo
abstrato e a do subjetivismo idealista. Faz isso por considerar que essas
orientações apoiam-se em um ponto de vista que tem como fio condutor a
enunciação monológica – melhor dizendo, a frase – para sua reflexão. Adotando
outra perspectiva, a de que a enunciação é o produto da interação entre
indivíduos socialmente organizados, Bakhtin aposta no caráter essencialmente
dialógico da linguagem: “Na realidade, toda palavra comporta duas faces.
Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de
que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da
interação do locutor e do ouvinte” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006, p. 117).
Tomemos
como ponto de partida, para a nossa linha de raciocínio, as seguintes gravuras
abaixo:
Mikhail
Bakhtin prevê a duplicidade em toda palavra, de toda enunciação e o
plurilinguismo, fruto de relações dialógicas, que permite perceber o homem e
sua cultura no complexo das relações sociais.
Nas gravuras acima – o
mecanismo semiológico nos ajuda bastante! –, há, pelo menos, uma duplicata
de interpretações.
Na
gravura 01, por exemplo, em que se manifesta o motivo da mulher ter medo de
barata (há no cartaz apenas frases feitas e palavras soltas, muito embora, a
tonicidade e tamanho das cores e palavras evoquem conceitos sócio-culturais),
tem-se o aproveitamento dos termos barata e carinho para que se configure uma
mensagem que pode ser entendida como crítica aos gastos supérfluos do sexo
feminino, machismo à categoria feminina, chacota para com as mulheres,... O
dialogismo que se verifica ou a polifonia, isto é, as várias vozes encontradas
no cartaz, ganha espaço quando se consubstancia o lado afetivo (carinho) ao
medo que as mulheres têm pelas frases com as frases que se apresentam letra
maiúscula.
Na
gravura 02, em que se tem uma campanha de respeito à vida e a prudência no
trânsito para que não se consuma bebida alcoólica, usou-se a imagem de um bebê
no volante e a própria palavra bebê na frase concebida pela campanha para que
se tenha um ar de humor. Evidentemente é ilógico que se tenham crianças
dirigindo. No entanto, pela gravura, o que se pode interpretar é que as
crianças não podem pegar o volante e nem se consuma bebidas alcoólicas quando
se vai dirigir.
Além
disso, pode-se usar dos prerrequisitos gramaticais e semânticos para as
concepções de entendimento da ordem. Substantivo e verbo estão numa
encruzilhada da pragmática discursiva em que fonologia, fonética, funcionalismo
e formalismo podem entrar em conflitos ou adaptações.
4. Polifonia em Nove Noites e
dialogismo em seu enredo discursivo
Para
Mikhail Bakhtin (1997), Dostoievski foi o criador de um novo gênero literário,
o romance polifônico, cuja característica principal é o fato de que na obra do
romancista as vozes do texto não se sujeitam a um narrador centralizante; elas
se relacionam em condições de igualdade. Há a predominância do discurso do
outro interiormente dialogado e refletido, com a alternância de várias
vozes.
É
o que acontece em Nove Noites: o
romance é dividido em dois blocos: um narrado no passado por Manoel Perna e
outro narrado no presente pelo jornalista-investigador. Além disso, o livro é
dividido em 19 capítulos, sendo que nove deles são apresentados em itálico.
Temos
dessa forma uma narração que vem marcada em itálico e uma narração de alguém
que pesquisa o pretenso suicídio de Quain e tenta encontrar uma resposta para a
morte do cientista.
Há
duas vozes principais, estruturadoras do romance e as “sub-vozes”, que auxiliam
na construção “labiríntica” da narrativa, caracterizando a obra como um romance
polifônico.
Os
dois narradores presentes no livro abordam, em diversos momentos, a questão da
morte como única certeza da vida. O narrador abre o livro, caracterizado como o
engenheiro Manuel Perna, amigo e “confessor” de Quain, logo no início aponta
para a certeza de que “morremos todos” (CARVALHO, 2002, p. 8) e fala que o
antropólogo chamava Carolina de uma cidade morta, idéia que aparece em várias
partes da narrativa, bem como a noção de que os locais – e a vida neles – eram
um inferno.
Permeia-se assim um verdadeiro labirinto em que o leitor
vai se perdendo ao longo da narração.
Além disso, existem referências a pessoas reais, mas mesmo em partes em
que elas aparecem podem ter sido inventadas. Em última instância, é tudo
ficção.
5. Considerações finais:
Uma
obra literária dentro das perspectivas da pós-modernidade que trabalha com
traços polifônicos em sua linguagem e enredo, nos permite perceber que as
várias vozes, sejam principais e secundárias, fazem com que não haja um ponto
final em um romance. Tem-se então uma descontinuidade e não-acabamento.
Não
se chega à conclusão do motivo da morte de Quain por se ter muitas opiniões
narrativas, as várias vozes da narração, ou se dá espaço para que o leitor
participe do enredo discursivo? Há a impressão de que o autor e as personagens
falam a mesma linguagem. E isso, sem se esquecer na participação interativa do
leitor-narrador (por que não?).
Embora
que não se chegue ao consenso de qual voz predomina no discurso de Nove Noites,
há espaço para que o leitor, a partir das informações contidas nessa obra
literária, tire suas próprias conclusões a respeito do motivo do cientista
Quain ter se suicidado.
6. Referências:
CARVALHO,
Bernardo. Nove Noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
MACHADO,
Rodrigo; PAULA, Rosana; SOUZA, Simone. Nove Noites: Um labirinto de vozes:
Revista de artes e humanidades, n. 6, Mai-Out 2011.
OLIVEIRA,
Adilson. Dialogando Com Bakhtin na
Leitura de Nove Noites de Bernardo Carvalho. RevLet – Revista Virtual
de Letras, v. 03, nº 02, ago/dez, 2011 ISSN: 2176-9125
SANTOS,
Maria. Romances contemporâneos: Nove Noites, de Bernardo Carvalho, e
Exortação aos Crocodilos, de António Lobo Antunes: Maringá-PR, 9, 10 e
11 de junho de 2010 – ANAIS – ISSN 2177-6350.
Http://www.solar.virtual.ufc.br/ Literatura Brasileira IV. REFLEXÕES SOBRE O PÓS-MODERNISMO, 2011. Último acesso em 06.12.2011.
[1] Do ensaio Morte
e Narração em Nove Noites, de Bernardo Carvalho (Janaína Dias Barcelos).
Disponível em: www.metodistademinas.edu.br/tecer/TEXTOS_TECERO/JANAÍNA_MORTE.html.
As próprias personagens da narrativa, o enredo em si, os narradores, aliado a
essa conjuntura de mistura realidade e ficção fazem com que não se encontre uma
resposta. Na narrativa, o que predomina é o silêncio e o desconhecido (“pois o
segredo sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança
que se deixa aos que ficam, como se eu e você, à espera de um sentido, nem que
seja pela suposição do mistério para acabar morrendo de curiosidade”, CARVALHO,
2002, p.7).
Olá, Cássio!
ResponderExcluirSou professor da UFCVirtual e tenho algumas observações a fazer sobre sua publicação. Embora você traga, nas referências bibliográficas, suas fontes de pesquisa, você esqueceu de citar corretamente os autores. Seu texto possui um mosaico de citações de outros estudos que, se não for feito corretamente, dá a entender que as palavras usadas são suas, o que não é completamente verdadeiro.
Sugiro que edite seu texto, indicando através de aspas duplas e/ou citações recuadas os trechos que não são seus.
Vi que você é aluno da UFCVirtual e foi através da correção do portfólio dos meus alunos que cheguei à sua página. Há muito plágio na modalidade a distância, e, muitas vezes, não por desonestidade intelectual, mas despreparo metodológico, que pode ser atenuado com a consulta das regras da ABNT para citações em trabalhos acadêmicos. Na página da UFC, há um guia de normalização de trabalhos acadêmicos segundo a ABNT. Dê uma olhada lá.
Abraços.
Fúlvio