Ao transcurso dos séculos, a sociedade em Cabo Verde se fez mestiça, étnica e culturalmente, devendo ser encarada de forma especial ao estudarmos sua posição e a da sua literatura no contexto africano. Mesmo com o posicionamento assumido pelos claridosos (como ficaram conhecidos os integrantes de Claridade), não se pode desconhecer que em Cabo Verde continuou a ocorrer um caldeamento dos valores africanos com os europeus, havendo ali um caso especial de singularidade e surpreendente fraternidade rácica.
Em Cabo Verde, o sentimento de cor é bastante diluído e este fato social se manifesta nas páginas da moderna literatura, na qual as personagens não se distinguem pela cor da pele. Por isso, Manuel Ferreira observa categoricamente: “Falar, por exemplo, de negritude (ainda quando esta palavra não havia sofrido um certo desgaste), em relação à literatura de Cabo Verde não tem sentido. A designação semântica ajustada é a de cabo-verdianidade.”
De tal fato são pontuações inequívocas não só a citada revista Claridade, como a que se lhe seguiu em 1944 em 1944, Certeza, com a direta influência do neo-realismo português, o Suplemento Cultural (1958), ou, inclusive, o boletim oficial Cabo Verde (1949-1965), no que ele possui de mais real e digno (e no campo da literatura é bastante), dado que nele colaboraram quase todos os escritores caboverdianos.
Na verdade, tudo quanto seja poesia ou ficção na moderna literatura cabo-verdiana vive de nexos culturais específicos.” [FERREIRA. BLAEP, p.126].
Uma das virtudes deste texto está em que a quase totalidade das personagens manipuladas são africanas (negros, mestiços, mulatos). E o espaço é o da escravidão, abrindo-se-nos à compreensão de um mundo longínquo no tempo, permitindo uma perspectiva diacrônica de largo alcance. Assim, e em termos de escrita, ficamos a saber, ao vivo, que senhores de escravos havia que eram africanos: pelo menos, mulatos.
Romance libertador, procurando redimir a humilhação escrava e compreender e valorizar o homem africano em geral; organização romanesca equilibrada, a linguagem d’O escravo suporta o confronto com autores mais do que minimamente dotados, com ressalva para os diálogos, demasiadamente retóricos, desajustados à capacidade expressiva dos protagonistas ― mas esse é também um senão que se pode endossar a muitos escritores de valimento da época romântica (e não apenas).
Referência
FERREIRA, Manuel. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I: Instituto de Cultura Portuguesa, 1977.
Amo a língua caboverdiana,sou de Recife e não vejo a hora de visitá-los.
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